A Falsa Luta de Classes
Por que a narrativa marxista do conflito social está errada — e o que libertários, anarquistas e hoppeanos realmente defendem
09-07-2025
Por Daniel Figueiredo
Durante décadas, o conceito de luta de classes serviu como a narrativa dominante para interpretar o conflito social. Marx, na sua visão economicista da história, dividiu o mundo em duas categorias simplificadas: opressores (burguesia) e oprimidos (proletariado). A libertação, segundo ele, viria pela conquista do Estado e pela instauração da “ditadura do proletariado”. Mas o que acontece quando os oprimidos tomam o trono? Será que a opressão desaparece — ou apenas muda de farda?
A crítica anarquista ao marxismo
Muito antes da queda do Muro de Berlim, os próprios anarquistas já tinham identificado os perigos do projeto marxista. Mikhail Bakunin, por exemplo, via no Estado uma máquina de dominação que não se podia redimir — nem mesmo quando controlado por trabalhadores. “O Estado é sempre o inimigo”, dizia. A luta de classes até podia existir, mas não se resolvia com uma nova elite no poder. Tomar o Estado é perpetuar a opressão.
Piotr Kropotkin foi ainda mais profundo. A sua obra Ajuda Mútua defende que a cooperação voluntária — não o conflito de classes — foi a base real da evolução social. Para ele, a narrativa marxista é redutora, hostil e determinista. Vê o ser humano apenas como um produto das forças económicas, ignorando a capacidade de solidariedade espontânea, criatividade e organização descentralizada.
Já Errico Malatesta via a luta de classes como um facto social — mas recusava transformá-la num dogma. E Emma Goldman, lúcida e incisiva, denunciava o marxismo como uma prisão mental: uma ideologia que sufoca a liberdade em nome de uma revolução que acaba sempre por se servir a si própria.
Max Stirner, com o seu individualismo radical, foi mais longe: para ele, a própria ideia de “classe” era uma ilusão. Só existe o indivíduo e a sua propriedade sobre si mesmo. O único conflito legítimo é aquele entre o eu e quem tenta dominá-lo.
A viragem libertária: do anarquismo ao anarcocapitalismo
Mais tarde, pensadores como Murray Rothbard tomaram o espírito antiestatista do anarquismo e libertaram-no do coletivismo económico. A luta de classes não desaparece — mas é reformulada. Rothbard afirma:
“A verdadeira luta de classes é entre o Estado e os indivíduos produtivos.”
Não é patrão contra empregado. É o cidadão que vive da troca voluntária contra o funcionário que vive do confisco legalizado. Não é a empresa que nos explora — é o Estado que nos obriga a pagar por serviços que não podemos recusar.
Hans-Hermann Hoppe reforça: Marx identificou corretamente que existe conflito, mas enganou-se nos protagonistas. O empresário num mercado livre não explora; quem o faz é o burocrata, o legislador, o juiz — todos os que vivem sem consentimento dos outros.
E Walter Block simplifica: não há luta de classes, há luta moral. Entre quem respeita a propriedade privada e quem a viola. Entre quem vive do mercado e quem vive do saque institucionalizado.
🟤 Uma nota nacional-liberal: o marxismo e o nazismo partilham a mesma estrutura de guerra civilizacional
Para muitos libertários com sensibilidade nacional-liberal ou hoppeana, o debate não é apenas sobre qual regime matou mais ou aboliu mais propriedade. O ponto central é perceber que marxismo e nacional-socialismo partilham a mesma lógica revolucionária perversa.
Ambos dividem a sociedade em dois blocos metafísicos hostis:
Para o marxismo: burgueses vs. proletários.
Para o nazismo: raças superiores vs. raças degeneradas.
Ambos atribuem culpa coletiva a um grupo inteiro (a classe ou a etnia), ambos rejeitam o indivíduo como sujeito moral, e ambos veem a violência como necessária para “purificar” a sociedade. Ambos prometem redenção através da destruição: do burguês, do judeu, do capitalista, do cosmopolita, do “reacionário”. Ambos recusam a ordem espontânea e propõem um plano central de engenharia social, com o Estado como instrumento messiânico.
Hoppe e outros libertários mais ligados ao realismo histórico entendem isto com clareza:
“A luta de classes marxista e a luta racial nazista são duas faces da mesma moeda coletivista. Ambas substituem a ética pela história, e a justiça pela vingança.” — (interpretação hoppeana)
Como hoppeano, concordo com esta leitura nacional-liberal: o marxismo, tal como o nazismo, cria uma falsa moralidade de grupo, onde a violência é autorizada contra o “inimigo da revolução” ou da “raça”. Em ambos os casos, o resultado é o mesmo: totalitarismo, estatismo absoluto, e genocídio moral do indivíduo.
Mas há uma diferença crucial que justifica a conclusão de que o marxismo é ainda mais corrosivo:
Enquanto o nazismo tentou preservar elementos tradicionais da civilização (família, propriedade, religião — mesmo que instrumentalizadas),
O marxismo procurou erradicar tudo o que não fosse o Partido, substituindo o tecido orgânico da sociedade por um Estado total que planifica até os pensamentos.
O comunismo ataca a alma da civilização; o nazismo, o seu corpo. Ambos são monstruosidades, mas só o marxismo sobrevive como religião política até hoje.
Uma nova narrativa para o velho conflito
Como anarcocapitalista de linha hoppeana, reconheço que a luta de classes marxista é, no fundo, uma narrativa ideológica falsa, construída para justificar a tomada de poder político por uma nova elite. Discordo da ideia de que o conflito central da sociedade seja entre ricos e pobres. O verdadeiro antagonismo é entre quem vive da troca voluntária e quem vive do saque institucionalizado via Estado.
É por isso que concordo com a nota nacional-liberal apresentada anteriormente: o comunismo internacionalista representou uma ameaça muito mais radical, corrosiva e totalitária do que o nacional-socialismo. Não por simpatia com o segundo — que rejeito completamente como libertário — mas por um juízo objetivo sobre o grau e a natureza da destruição civilizacional provocada por cada regime.
O marxismo não atacou apenas a propriedade privada: atacou a ordem espontânea que sustenta a liberdade humana — a família, a moral tradicional, a religião, o direito consuetudinário, os laços comunitários e os pilares culturais que limitam o poder do Estado. O nacional-socialismo, embora brutal e assassino, não chegou tão longe na destruição teórica dessas bases. Tentou até instrumentalizá-las, ainda que de forma perversa.
Como hoppeano, defendo que a liberdade só é sustentável se enraizada numa ordem moral e cultural sólida — e que a erosão sistemática dessas fundações, como promoveu o marxismo, abriu caminho à expansão ilimitada do Estado e à atomização da sociedade. O comunismo atacou a alma da civilização; o fascismo, o seu corpo.
Ambos são formas de tirania — mas o marxismo foi mais eficaz na corrosão dos princípios que tornam possível uma sociedade verdadeiramente livre.
Portanto, a verdadeira luta da nossa era não é entre classes sociais, mas entre duas ordens morais opostas:
de um lado, o mundo da propriedade, do contrato, da cultura e da soberania individual;
do outro, o mundo da planificação, do coletivismo, da culpa herdada e do poder total.
Esta é a luta que importa. E só será vencida quando compreendermos que a liberdade depende não só da ausência de coerção, mas da preservação ativa da ordem espontânea que a torna viável.