A frase "quem não deve não teme" reflete uma perigosa simplificação, que ignora a complexidade do impacto da vigilância e do controlo sobre a liberdade individual. Ao aceitá-la, estamos a abdicar de uma reflexão profunda sobre os efeitos do olhar permanente do poder sobre a sociedade. Na história da filosofia, de Platão a Foucault, é claro que o controlo contínuo gera uma conformidade forçada, condicionando comportamentos e pensamentos.
Michel Foucault, ao explorar a ideia do "panóptico", mostrou como a vigilância constante transforma o indivíduo em objeto de controlo, não apenas para impedir crimes, mas para moldar a própria subjetividade, levando ao auto-policiamento. Quando os cidadãos vivem sob o olhar vigilante, deixam de ser livres; ajustam-se às expectativas de quem os vigia, com medo de serem mal interpretados, mesmo que não tenham "nada a temer". Neste sentido, a frase "quem não deve não teme" ignora que a própria presença da vigilância altera a nossa relação com a liberdade.
O argumento de que "quem não deve não teme" é também uma inversão perversa da lógica da liberdade. Kant, por exemplo, defendia que o ser humano é livre na medida em que age por princípios racionais e morais, não por coerção ou medo. A vigilância retira-nos essa capacidade de agir autenticamente, substituindo a nossa liberdade moral pela submissão ao olhar alheio. Não é o facto de não teres nada a esconder que garante a tua segurança; o simples acto de seres vigiado já limita a tua liberdade de ação e pensamento.
Jean-Paul Sartre, ao explorar o conceito de liberdade, alertava que a vigilância constante cria uma angústia existencial. Mesmo sem "dever" nada, a sensação de ser observado perturba o sentido de autenticidade. Quem é livre verdadeiramente não é aquele que não deve, mas sim aquele que não vive sob o jugo do controlo constante. A aceitação de que "quem não deve não teme" é a abdicação dessa liberdade, é a aceitação de um mundo em que o poder define os limites do que é aceitável, condicionando até os pensamentos mais privados.
George Orwell, em "1984", deu-nos um vislumbre sombrio deste futuro. O “Big Brother” não apenas vigiava as acções, mas também os pensamentos, eliminando qualquer espaço para a dissidência. O que Orwell profetizou foi uma sociedade onde não importa se és inocente ou culpado, pois o simples facto de seres vigiado já te condena a uma vida de autocensura. No mundo de Orwell, todos "não devem", mas todos têm de temer. A vigilância constante é uma ferramenta de conformidade, onde o medo do poder é mais eficaz do que o uso da força.
Por fim, a verdadeira questão não é se há ou não algo a esconder, mas sim o princípio fundamental da liberdade. A vigilância incessante mina os alicerces da autonomia e da dignidade humana, valores defendidos por filósofos como Kant e Hegel. A liberdade não é negociável, nem uma concessão do poder — é o direito inalienável de cada indivíduo. Ao aceitar a máxima "quem não deve não teme", estamos a permitir que o poder alargue o seu controlo sobre nós, apagando lentamente a linha entre segurança e opressão. O medo não deveria nascer do que devemos, mas sim do que perdemos ao ceder à vigilância: a nossa liberdade.
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Luis Dias
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Parece quase física quântica... não se pode medir a velocidade e posição ao mesmo tempo 😆
PS: sabem que comento para o SEO, right?