A Rússia é aliada da NATO? Uma politica de defesa, que não é mais que o empobrecimento de Portugal e da Europa
A Europa prepara-se para endividar os seus povos em prol de uma hipotética defesa contra a ameaça da Russia. Tentarei aqui melhor entender se estamos perante uma ameaça real ou se há uma outra agenda que não esteja evidente que vá para além da defesa militar.
Considero importante esta análise pois a mesma terá impacto directo no bolso dos portugueses, a Europa quer destinar 800 Mil milhões de Euros para a agenda da defesa o que se irá traduzir em 3 impactos, a primeira e imediata é a transposição de outras despesas do Estado para a defesa, a segunda, o endividamento fará com que entregaremos aos nossos filhos mais um encargo que se traduzirá em mais impostos futuros e a terceira um impacto que se traduzirá em inflação, correspondendo a um imposto que irá afectar principalmente as classes mais desfavorecidas.
Partindo do raciocínio expresso por Miguel Anxo Bastos quando entrevistado por David Carbonell “Trump Cambia el Mapa Mundial en 2025: ¿Qué Viene?”, tentarei medir o impacto que poderá ter para Portugal e quais as motivações que estarão por detrás do unanimismo da direita à esquerda dos partidos representados na Assembleia da República (com a excepção do PCP com os seus 4 deputados)
Quem é o inimigo?
Do nada, ou melhor, desde que Trump inicia as negociações de paz entre a Rússia e a Ucrânia, a Europa e em particular Macron afirma que temos que nos armar, que temos que assegurar a defesa dos nossos territórios, como se essa urgência tivesse assente na ausência da Ucrânia como a nossa zona tampão. Ora nem a Ucrânia é um potentado militar para segurar o inimigo em caso de uma guerra directa com a UE, nem a Europa até hoje sentia que essa ameaça era séria para nunca se ter preocupado com a militarização do seu território.
A ideia de que sabemos quem é o inimigo, parece estar clara, mas, no entanto, há incongruências que nos pode por em dúvida se efectivamente o inimigo está identificado. Será que é necessariamente a Rússia?
Partindo do principio que as negociações Trump-Putin-Zelenski resultam e entramos numa situação de paz e que a Ucrânia verá os seus territórios divididos por interesses Russos e Americanos, estes dois últimos países obrigatoriamente se transformavam em aliados, o que por sua vez, dado que os USA se mantem na NATO, então tacitamente a Rússia também será aliada da NATO, pois tanto a NATO não vai querer hostilizar a Rússia, pondo em causa os interesses dos americanos, como os Russos pelas mesmas razões não vão querer hostilizar a NATO.
Assim sendo a Europa também passa a ser tacitamente aliada da Rússia, pois até hoje tanto os USA como os demais aliados não colocaram como hipótese o fim da NATO, nem se pensa que iremos entrar em guerra com os USA. Sendo assim, fica de novo a pergunta. Para se justificar os gastos em defesa, vamos-nos defender contra quem? Quem é o nosso inimigo?
Seguir o Capital
Poderá o leitor pensar que este capitulo acima é uma deriva lunática, até incongruente. Então devemos ter em conta como o capital está a reagir aos acontecimentos. Normalmente dizemos que uma das características das bolsas é podermos aferir as expectativas que os investidores têm para um futuro próximo e daí avaliar se há uma fuga de capitais para zonas mais seguras ou não. Estando a Rússia em guerra com a Ucrânia e posteriormente o conflito se alargará para a Europa, o que é que está a acontecer com a Gazprom, o grande conglomerado energético russo? A Gazprom teve uma valorização de 28% desde Setembro de 2024, indicando que os mercados estão confiantes que a principal empresa russa irá prosperar, um claro indicador que o capital aposta que existirá estabilidade na zona e não uma sanha conquistadora da Rússia.
Precisamos mesmo de um rearmamento?
Admitindo que afinal a Rússia é o inimigo, como poderá se desenvolver uma guerra entre esta e os países da NATO?
Como sabemos o pacto da NATO obriga ao envolvimento de todos os países declararem guerra caso qualquer deles seja atacado. As regiões mais ameaçadas são a Escandinávia, o Báltico, e a Polónia, e caso todos estes países sejam atacados pela Rússia, de imediato todos os demais países da NATO, incluindo os USA, terão que declarar guerra à Rússia.
Partimos de principio que ambas as partes não optam por uma guerra com armas de destruição massiva e entramos num conflito convencional. Pelos resultados deste conflito Rússia-Ucrânia que seja do interesse russo, vemos a dificuldade que a Rússia tem para conquistar território ucraniano, sabendo que a Ucrânia tem recebido armamento a conta gotas. Não tem qualquer lógica a Rússia entrar num conflito onde as hipóteses de conseguir aguentar uma guerra longa é remota. Para comprovar, vejamos então as diferenças entre a Rússia, a NATO, a NATO sem USA, Canadá e Turquia (os três países que não pertencem à Europa), a Ucrânia e somente os países com fronteira com a Rússia.
Em termos de população:
(Fonte: https://www.cia.gov/the-world-factbook/)
Como vemos, a Rússia atacando as regiões de proximidade estão a atacar um espaço com mais população que a Ucrânia e arrisca-se a entrar em confronto directo com a Nato europeia, 3 vezes maior e em último caso com a própria NATO, 8 vezes mais.
Em termos de território a conquistar:
(Fonte: https://www.cia.gov/the-world-factbook/)
Mais uma vez, vemos a dificuldade da Rússia para conquistar os países-alvo. No quadro vemos que a Rússia teria de conquistar o dobro da dimensão da Ucrânia e teria que enfrentar, se confinado à Europa, uma região 10 vezes maior e num envolvimento com a NATO no seu um conjunto de países 1,6 vezes maior que a Rússia.
Em termos do PIB
(Fonte: https://www.cia.gov/the-world-factbook/)
Economicamente a Rússia também não terá grande capacidade para enfrentar em guerra convencional as regiões-alvo, senão, vejamos: As regiões alvo são 10 vezes mais ricas que a Ucrânia e representam 60% da riqueza russa. A diferença económica então torna-se ainda mais abissal quando comparado com a NATO europeia, sendo esta 10 vezes mais rica que a Rússia e se colocarmos toda a NATO então a Rússia é menos que um vigésimo da riqueza.
Sendo assim, e em base do ocorre neste conflito actual, só poderemos concluir que em guerra convencional de longo prazo a Rússia não tem capacidade de enfrentar a Europa e mesmo as regiões-alvo será uma aventura que não devem querer entrar.
A segunda hipótese na guerra convencional é tentar uma guerra relâmpago de forma a tomar rapidamente esses alvos. Olhemos então para a dimensão dos exércitos:
(Fonte: https://www.iiss.org/)
Mais uma vez, no que respeita a efetivos, a NATO na Europa está perfeitamente dimensionada para a dimensão do exército russo, pelo que é mesmo no plano das regiões-alvo que temos que nos precaver, ou seja, ao contrário do que a Europa anda a vincular não é necessário fazer programas de recrutamento e obrigatoriedade militar, mas sim olhar para os países de fronteira e reforçar as defesas dessas fronteiras.
No que respeita a armamento disponível:
(Fonte: https://www.iiss.org/)
Em termos de armamento convencional a Rússia só rivaliza em tanques, no demais está sempre em inferioridade para com a NATO, mesmo confinado à Europa o equilíbrio de forças é o mote, embora a Europa seja superior em meios aéreos e marítimos. Assim sendo a Rússia só poderá avançar com força por meios terrestres. Sabendo das dificuldades tidas com o recente conflito, os seus avanços serão sempre lentos, sabendo que os países-fronteira têm uma força militar no dobro que a Ucrânia.
Parece que a aventura da guerra convencional será sempre uma tarefa Hercúlea que a Rússia não deverá querer travar, só restando por isso socorrer-se do nuclear. A Rússia com 5580 ogivas é a maior potência mundial e é esta a força que ainda a colocam como potência mundial. Mas a NATO poderá responder na mesma medida, pois o conjunto dos aliados somam a quantidade de 5559 ogivas. Admitindo que os USA não se querem envolver directamente num ataque nuclear da Rússia à Europa, ainda assim na Europa estão disponíveis para os aliados a quantidade de 665 ogivas nucleares. Admitindo então uma escalada nuclear a Europa tem capacidade de destinar para cada uma das 18 cidades com mais de um milhão de habitantes da Rússia, nada mais nada menos que 37 bombas nucleares. Ora, pela experiência da Guerra Fria, não vejo nem interesse dos russos, dos europeus e de toda a comunidade internacional que se entre num suicídio colectivo. Até porque esse acto é o antagonismo de quem tem sede de poder, pois o que vale ter poder num mundo destruído e indigente?
Financiar a defesa
A Europa está-nos a levar para uma politica de defesa sobre um hipotético inimigo, que o sendo, parece-me impossível de justificar a “emergência”, (que por si só já é má conselheira), calculando por isso um valor em investimento de defesa em 800 Mil milhões de Euros em 4 anos "REARM Europe" , um esforço de 200 mil milhões de Euros por ano. Para além de ser pedido a cada país um reforço orçamental na defesa isso não é suficiente e por isso a EU terá que recorrer a dois instrumentos, a Emissão de dívida via novo instrumento (SAFE) de 150 mil milhões de euros que serão obtidos por meio de um mecanismo semelhante ao usado no fundo de recuperação da COVID-19 (SURE), com a Comissão emitindo obrigações nos mercados de capitais. O outro instrumento é redireccionamento de fundos de coesão na ordem de 90 mil milhões.
Olhando para a solução financeira, desenganem-se quem pensa que de facto os Estados vão canalizar capital para a defesa, retirando doutros tipos de despesa, como seja o Estado Social. O mais natural será que o BCE financie directamente os Estados, para além das medidas já conhecidas de divida. Veja-se a Alemanha cujo "travão da dívida" (Schuldenbremse) já foi removido, permitindo que o país aumente os gastos públicos. O resultado está à vista, o financiamento do esforço de guerra só tem um nome, e este é “inflação”.
Em resumo, vemos que não existe nenhum desequilíbrio militar entre a Europa e a Rússia e que até a Europa terá vantagens económicas sobre a Russia para suportar uma situação de guerra prolongada. Salvo a questão nuclear que este programa não visa, aliás está impossibilitada pelo Treaty on the Non-Proliferation of Nuclear Weapons, e que me parece impensável ir-se para um conflito dessa natureza, não se encontra nenhuma justificação razoável para tanta urgência e “medos” transmitidos pelos governantes às populações. Tudo isto é para justificar uma medida keynesiana de ultrapassar a estagnação europeia, que irá ser suportada por divida e emissão de moeda, que a prazo vai trazer principalmente para as classes mais pobres um custo adicional traduzido em inflação
A quem interessa?
Estamos a abordar os planos de defesa e segurança e os seus gastos. Mas sabemos mesmo do que estamos a falar? O que é defesa? O que é segurança?
Vejamos, investir na AIRBUS, é defesa ou não? Aumentar salários aos militares, é defesa ou não? Pergunta Anxo Bastos.
A proposta mais revelante da Escola de Copenhaga é a teoria da securitização. Teoria esta que alarga a segurança, numa expansão do conceito, a outros sectores que não representam como essenciais para a sobrevivência objectiva. Para a “Securitização”, os conceitos de justiça e de igualdade, já não são suficientes, sendo necessário a introdução da concepção de segurança e defesa e esta é orientada para um processo e tudo que possa influenciar esse processo. Assim por exemplo, investir em acessibilidades, formação, bem-estar social (evitar conflitos sociais), ecologia, segurança alimentar, combate climático, emigração … tudo é despesa justificável pois sem toda a envolvência garantida a defesa não será nunca eficaz. Ou por outras palavras, sendo a EU apologista desta teoria, cada Estado, poderá fazer o que quiser no investimento, bastando para isso justificar que o mesmo faz parte do processo de defesa e segurança.
Dois grandes incentivos estão centrados por um lado a incapacidade da Europa e em particular a França de garantir o deficit no limite dos 3% do PIB, (nos últimos anos nunca conseguiu baixar dos 5%), o que é um grande problema para Macron, obrigado a reformas estruturais fortes. Não é coincidência que o grande impulsionador desta politica de defesa é a França, pois será a única possibilidade de ocultar a incapacidade politica de alterar o rumo das despesas públicas. O segundo incentivo é as previsões de crescimento económico estão no limiar da estagnação, não se prevendo crescimentos anuais acima de 1.5%.
A injecção de capital para a defesa vai representar 1.25% do PIB Europeu, pode não resolver a questão do crescimento. Esse conto de fadas, só Keynes acreditava nele. Agora vai servir os propósitos de Macron a consequentemente dos demais governantes, o de terem uma injecção de capital para gastar à “tripa forra” e uma quase certeza de que os seus lugares ficarão protegidos.
Links:
https://en.wikipedia.org/wiki/Miguel_Anxo_Bastos
https://www.parlamento.pt/DeputadoGP/paginas/gruposparlamentaresi.aspx
https://www.investing.com/equities/gazprom_rts
https://www.cia.gov/the-world-factbook/
https://www.iiss.org/
https://www.sipri.org/
https://pt.euronews.com/2025/03/21/camara-alta-do-parlamento-alemao-aprova-projeto-de-lei-historico-sobre-despesas-com-a-defe
https://disarmament.unoda.org/wmd/nuclear/npt/
https://en.wikipedia.org/wiki/Miguel_Anxo_Bastos
https://pt.wikipedia.org/wiki/Securitiza%C3%A7%C3%A3o_(rela%C3%A7%C3%B5es_internacionais)