Zaratustra dizia que Deus estava morto — e em Portugal, essa morte já leva mais de 50 anos. Onde antes imperavam Deus, Pátria e Família, hoje reinam Estado, ideologia e subsídio. Abril não foi senão o rebranding de um poder que, trocando as fardas e batinas por ‘slogans’ igualitários e retórica progressista, consagrou a dependência sob o sagrado manto da (in)justiça social.
Comemoramos a Revolução de Abril como a libertação de um povo. Mas foi, na prática, a troca de grilhões. Saíram os grilhões do medo e da censura, entraram os da tutela permanente, do Estado omnipresente e do conforto anestesiante de um assistencialismo disfarçado de progresso. Deixou-se de castigar a dissidência para se premiar a estagnação.
A liberdade genuína, que exige coragem, risco e responsabilidade, foi substituída por um modelo que recompensa a passividade. Hoje, em vez de fomentar a iniciativa e a autodeterminação, o Estado — e por extensão a União Europeia — oferece uma carta de subsídios, apoios, incentivos e “direitos adquiridos” que, na prática, criam classes protegidas e dependentes.
Pior ainda, esta nova dependência não é neutra. Ela é financiada. No terreno fértil dos subsídios não cresce a liberdade, cresce a expectativa de que outros — quase sempre os que trabalham, produzem e arriscam — devem suportar, através da espoliação fiscal, o conforto artificial dos que se habituaram a receber sem dar, a exigir sem criar. É uma engenharia social que redistribui não apenas a riqueza, mas também a dignidade: retira-se a uns o fruto do mérito para oferecer a outros o consolo da vitimização institucionalizada.
Os fundos europeus, em particular, agravaram ainda mais este desequilíbrio. Em vez de promoverem a autonomia e o desenvolvimento sustentável, consolidaram uma economia de favores e projetos fictícios. Alimentaram redes clientelares, empresas-fantasma, e uma cultura de "peditório permanente" que vê no Estado e em Bruxelas a fonte de todo bem. Fizeram de Portugal um país onde se planeia menos para produzir, e mais para se ser elegível.
A tragédia é que a maioria já não concebe uma sociedade fora deste modelo. A ideia de que cada um deveria ser, antes de mais, responsável pelo seu destino, soa ofensiva. Mas é aí que reside a verdadeira liberdade — não na dependência garantida, mas na autonomia conquistada. Uma liberdade que não precisa de proclamações solenes, mas sim de um recuo consciente do poder sobre a vida privada, do Estado sobre a iniciativa individual.
Mas talvez Zaratustra estivesse errado. Talvez Deus não tenha morrido — apenas foi substituído. O altar da fé deu lugar ao gabinete do ministro. O púlpito cedeu ao boletim oficial. Onde antes se exigia virtude e responsabilidade perante o divino, hoje basta reclamar direitos perante o Estado. A salvação eterna foi trocada por garantias terrenas: emprego protegido, rendimento mínimo, casa subsidiada, cultura financiada — tudo assegurado por um novo deus laico, omnipresente, e, tal como o anterior, invisível, mas temível.
Este novo deus não pede fé — exige submissão. Não espera sacrifício — impõe redistribuição. E em vez de julgar as almas, regula vidas. Mas se o Deus antigo era, para muitos, um farol moral e uma exigência interior de elevação, o Estado moderno apresenta-se como o grande nivelador: não quer que sejas melhor, quer apenas que sejas igual — ou, de preferência, igualado por baixo.
A responsabilidade individual, essa, sim, é a verdadeira divindade esquecida. Porque é nela que reside a semente da liberdade. Só quem assume o risco da própria vida, quem aceita que falhar é parte do caminho, e que a liberdade custa mais do que o conforto imediato, pode aspirar a uma existência digna. Não há emancipação possível onde a vontade própria é anulada por promessas de salvação coletiva pagas com o suor alheio.
A liberdade não se distribui — conquista-se. E só um povo que aceite esse fardo poderá, um dia, ser verdadeiramente livre.
Um país que utiliza o seu exército para impor sanções administrativas aos cidadãos e tornar a existência o mais difícil possível, em vez de vigiar as fronteiras terrestres, não é um país livre. No resto do mundo, chamamos a esse país um Estado militar. Isto soa-lhe familiar?