O Libertarianismo e o Anarco-Capitalismo em Portugal
Origens e primeiros passos
O libertarianismo em Portugal, enquanto filosofia política centrada na liberdade individual e na rejeição do autoritarismo, tem raízes tímidas no século XX, influenciado por ideias liberais clássicas e pelo anarquismo europeu. Embora o país tenha sido marcado por um longo período de autoritarismo sob o Estado Novo, as ideias de liberdade individual começaram a emergir no pós-25 de Abril.
Nos anos 80, um marco importante para a disseminação das ideias da Escola Austríaca ocorreu com as traduções de autores como Ludwig von Mises e Friedrich Hayek, impulsionadas por António José Severim de Faria, que editou e publicou essas obras, tornando-as acessíveis ao público português pela primeira vez em maior escala.
Contudo, o libertarianismo, especialmente na sua vertente anarco-capitalista, só ganhou tracção mais recentemente, inspirado por pensadores como Murray Rothbard, Ayn Rand, Hans-Hermann Hoppe entre outros cujas obras defendem o livre-mercado e a abolição ou minimização do estado como garante da liberdade.
Os primeiros movimentos organizados surgiram no século XXI, com figuras como Fernando Sobrinho e Carlos Novais, que já na segunda década tentaram estruturar um movimento político libertário. Sobrinho, com o seu activismo em defesa do liberalismo radical, e Novais, com ensaios sobre liberdade económica, lançaram as bases para um discurso anti-estatista, embora sem grande impacto institucional à época.
Também nesta altura o Instituto Rothbard Portugal, fundado em 2008, foi um dos primeiros marcos, disponibilizando os trabalhos de Murray Rothbard e de outros pensadores anarco-capitalistas. Contudo, é o Instituto Mises, e em particular o site Mises.pt, que se tornaria uma referência incontornável, consolidando a Escola Austríaca de economia e a filosofia libertária no espaço digital português
Paralelamente, o interesse pelo Bitcoin, a partir da década de 2010, aproximou simpatizantes do anarco-capitalismo, que viam na cripto-moeda uma forma de escapar ao controle estatal sobre o dinheiro.
A consolidação e a era digital
Na última década, o libertarianismo português ganhou novo fôlego com a ascensão das redes sociais e da imprensa independente. O Instituto +Liberdade tem sido central na disseminação de ideias liberais, com traduções e publicações de autores como Hayek e Milton Friedman. Pedro Almeida Jorge, apesar de menos destacado nos últimos tempos, foi essencial na coordenação de traduções e na curadoria de conteúdos, como no ‘podcast’ Clássicos da Liberdade. A Oficina da Liberdade, através das tertúlias e de variadas publicações, nomeadamente a recente publicação do livro “Javier Milei - A Causa da Liberdade” de Phillip Bagus, tem sido um grande impulsionador do pensamento liberal e libertário. O Instituto Mises Portugal (mises.pt) também desempenha um papel crucial, promovendo publicações que defendem o mercado-livre e o anarco-capitalismo, com destaque para artigos que desmontam falácias intervencionistas. O Partido Libertário, liderado por Luís Gomes, tem procurado dar uma face política ao movimento, defendendo a redução drástica do estado e a liberdade individual. Apesar de ainda pequeno, o partido ganhou visibilidade em debates públicos. Já o movimento PQP, encabeçado por Miguel Milhão, adopta um tom mais provocador, usando redes sociais para criticar o estatismo e promover o empreendedorismo. O portal Libertários.pt, tornou-se uma referência digital, com artigos que abordam desde a filosofia libertária até questões económicas práticas. A imprensa independente, como o jornal Página Um, tem dado espaço a vozes libertárias, publicando textos que desafiam o consenso político. O podcast Golpe de Estado, é outra plataforma influente, discutindo temas como liberdade económica e resistência ao controle estatal com um tom acessível e irreverente. O Zuga TV, com conteúdos audiovisuais, complementa o activismo digital, conectando-se a uma audiência jovem e desiludida com a política tradicional.
O fenómeno auto-didacta e conflitos Internos
O estudo do libertarianismo em Portugal é marcado por uma forte componente auto-didacta, impulsionada pela internet e pela tradução de obras estrangeiras. Plataformas como o Instituto +Liberdade e o Mises Portugal disponibilizam materiais que permitem a qualquer pessoa explorar autores como Hayek, Rand ou Hoppe. Contudo, este fenómeno gera tensões. A ausência de uma academia libertária formal leva a interpretações díspares, com debates acesos entre anarco-capitalistas, que defendem a abolição total do estado, e minarquistas, que aceitam um estado mínimo. Os auto-didactas, muitas vezes sem formação filosófica ou económica profunda, podem simplificar ou distorcer conceitos complexos, gerando conflitos em fóruns online e redes sociais. Por exemplo, o movimento de Miguel Milhão é criticado por alguns puristas por priorizar o impacto mediático em detrimento da profundidade teórica. Já o Partido Libertário enfrenta divisões internas sobre até que ponto deve se comprometer com o sistema político actual. Estas tensões reflectem a dificuldade de unificar um movimento que valoriza a individualidade acima de tudo.
O Efeito Milei e a Superação de Dogmas
O fenómeno Javier Milei, presidente argentino desde 2023, tem inspirado libertários portugueses. A sua defesa do anarco-capitalismo, aliada a um discurso directo e anti-establishment, mostra que ideias radicais podem ganhar tracção popular. Em Portugal, onde o libertarianismo ainda é visto como utópico ou extremista, o exemplo de Milei sugere um caminho para ultrapassar dogmas sociais, como a dependência do estado-providência. A crescente adopção do Bitcoin e o activismo digital, aliados a uma comunicação clara e provocadora, podem ajudar a desmistificar o libertarianismo, atraindo novos simpatizantes. No entanto, o futuro exige que o movimento supere a suas divisões internas e refine a sua mensagem. A combinação de rigor intelectual, como o promovido pela recente Cataláxia Editora e pelo Instituto Mises, com a energia activista de figuras como Milhão e plataformas como o Libertários.pt, pode transformar o libertarianismo numa força cultural e política relevante em Portugal.
O primeiro evento assumidamente Anarco-Capitalista em Portugal
Em 25 de Outubro de 2025, realizou-se em Braga o primeiro evento assumidamente anarco-capitalista em Portugal, intitulado “Capitalismo, Poupança, Trabalho Duro e Religião” organizado pela Cataláxia Editora pela ocasião da apresentação do livro “Cresci sem Estado - Uma Defesa do Anarco-Capitalismo” e que contou com a presença do autor Miguel Anxo Bastos como orador principal, no qual apresentou uma palestra sobre as bases da Escola Austríaca e a aplicação prática do anarco-capitalismo no quotidiano, desmontando mitos sobre o papel do Estado na economia e na sociedade. O evento contou com mais de 60 participantes e poderá representar um ponto de viragem na visibilidade do movimento em Portugal.
O libertarianismo e o anarco-capitalismo em Portugal, embora ainda marginais, estão em ascensão, impulsionados por uma nova geração de activistas e pela revolução digital. À nossa frente temos como desafio canalizar esta energia para um movimento coeso que traduza a paixão pela liberdade em mudanças concretas,
António Xavier


