Perfect Days
Em 15 de agosto de 1945, a voz do Imperador Hirohito ecoou pela rádio no Japão, transmitindo uma mensagem que alteraria o rumo da
Nação para sempre. O seu anúncio da rendição do Japão às forças aliadas marcou o fim da Segunda Guerra Mundial, um momento de profunda capitulação que destruiu o mito da invencibilidade imperial. Para um povo imbuído dos ideais de honra, dever e sacrifício, as palavras de Hirohito não foram apenas uma derrota militar, mas um terramoto espiritual e cultural. O império, outrora visto como divino e inabalável, curvou-se perante a realidade de um mundo que já não podia moldar. Este momento de rendição não se limitou ao depor das armas; foi o desmoronamento de uma identidade nacional, deixando o Japão a lidar com o que significava ser Japonês num mundo erradicado das antigas certezas.
Avançando para os dias de hoje, o Japão parece um planeta diferente, mas os ecos dessa rendição ainda persistem de forma subtil. A nação enfrenta uma nova crise, não advinda de bombas ou invasões, mas de um declínio mais silente e insidioso. A taxa de fertilidade do Japão está entre as mais baixas do mundo, rondando os 1,2 filhos por mulher, muito abaixo dos 2,1 necessários para manter a estabilidade populacional. Cidades como Tóquio brilham como arcadas de outrora feitas tecnologia de ponta, mas, sob a superfície, há uma bomba demográfica. Os jovens não estão a ter filhos — não porque não queiram, mas porque as pressões da vida moderna tornam isso quase impossível. Custos exorbitantes, apartamentos exíguos e horários de trabalho implacáveis deixam pouco espaço para a família. Em vez disso, muitos refugiam-se no mundo digital ou em subculturas que abraçam o bizarro, como as infames fantasias repletas de tentáculos que se tornaram uma marca peculiar do submundo japonês. Estes não são apenas fetiches excêntricos; são uma forma de rebelião contra uma sociedade que parece cada vez mais estéril, uma maneira de reclamar algo cru e caótico num mundo demasiado ordenado, demasiado previsível.
Este sentimento de desespero, de uma estrutura a desmoronar-se, não é exclusivo do Japão. Do outro lado do oceano, a Europa lida com a sua própria versão de perda. O sonho pós-guerra de unidade e prosperidade desgastou-se, substituído por uma sensação persistente de que algo vital se perdeu. As taxas de natalidade em países como Itália e Alemanha são ainda mais baixas do que no Japão, com algumas regiões a caírem abaixo de 1,0. As antigas instituições — família, igreja, comunidade — já não comandam a mesma devoção de outrora. No seu lugar, há um vazio preenchido com prazeres fugazes e distracções. Os jovens europeus, criados sob a égide luminal de ideais progressistas em escolas com inclinações oriundas da reprogramação Gramsciana, emergem de lá frequentemente com uma visão do mundo que privilegia a autoexpressão em detrimento da disciplina, a gratificação instantânea em vez do compromisso a longo prazo. Não é que sejam preguiçosos ou incapazes — longe disso —, mas os sistemas que os formam enfatizam muitas vezes os sentimentos em vez das competências, os ideais em detrimento das practicidades. O resultado é uma geração apaixonada, mas pouco preparada, perseguindo sonhos de igualdade e liberdade enquanto luta para navegar num mundo que exige competência prática.
Isto conduz-nos à corrente mais sombria que une o Japão e a Europa: uma adicção ao virtual, fuga para os ecrãs cintilantes e miríficos que prometem abdução segregada a uma realidade que parece cada vez mais moribunda. A pornografia na internet, em particular, tornou-se uma fixação global, e não se trata apenas de sexo. Trata-se de anestesiar a dor de um mundo que parece caminhar para o colapso. Subconscientemente, as pessoas enfrentam um futuro de destruição — seja a morte lenta de sociedades envelhecidas, o fardo moral e ilógico dos debates sobre o aborto, o caos da migração descontrolada ou a corrupção que parece infiltrar-se em todas as instituições. A pornografia oferece uma dose rápida de dopamina, uma forma de esquecer a ansiedade de um mundo onde nada parece certo. No Japão, as fantasias com tentáculos e os nichos hiperespecíficos são quase uma caricatura desta fuga, uma maneira de ultrapassar limites quando a vida real parece uma jaula. Na Europa, isto é menos extravagante, mas não menos omnipresente — horas perdidas a navegar incessantemente, de córtex anestesiado, perseguindo devaneios que não exigem a complexidade da conexão humana.
O hedonismo tornou-se a resposta padrão, especialmente entre as gerações mais jovens da Europa. Criados em escolas que priorizam a inclusão e a autoestima em detrimento do rigor, muitos carecem das qualificações funcionais necessárias para prosperar num mundo competitivo. Não se trata apenas de notas ou competências profissionais; é sobre a capacidade de construir algo duradouro — relacionamentos, famílias, comunidades. Em vez disso, há uma atração por gratificações instantâneas, seja através de maratonas de séries, aplicações de encontros ou a busca incessante por gostos nas redes sociais. Não se pode dizer que estas gerações estão perdidas; são criativas, empáticas e muitas vezes ferozmente idealistas. Mas os sistemas que as moldaram não as equiparam para enfrentar as duras realidades de um mundo que não se preocupa com os seus sentimentos. O resultado é uma espécie de deriva sem rumo, uma rendição não a um exército inimigo, mas ao peso de um futuro que parece demasiado grande para enfrentar.
O Japão e a Europa, à sua maneira, vivem na sombra de estruturas perdidas. Para o Japão, tudo começou com a rendição do Crisântemo, um momento que forçou uma Nação orgulhosa a redefinir-se sobre as cinzas da derrota. Hoje, essa redefinição ainda está em curso, dividida entre um passado glorioso e um futuro que parece um desvanecimento lento. Na Europa, a perda é menos dramática, mas não menos profunda — uma erosão gradual das fundações que outrora sustentavam as sociedades. Ambos os lugares enfrentam a mesma questão: o que fazer quando as antigas certezas desaparecem e o futuro parece uma aposta incerta? Por agora, demasiados respondem com distração, com prazer, com uma retirada para a névoa digital. Mas, por baixo de tudo, há uma fome silenciosa por algo real — algo que valha a pena construir, edificar, tâmaras que a geração actual sabe nunca vir a provar. Resta saber se tal horror ao vácuo aborígene conseguirá superar o horror da verdade fáctica actual.
Fernando Melro dos Santos