Com alguma frequência vemos libertários a exortar a Monarquia, como a solução para a organização social dos países nomeadamente e em particular na sua administração. As razões que sustenta esta tese partem de opiniões divulgadas pelo próprio Murray Rothbard onde se salienta esta enigmática frase:
“O rei é dono do país, de certa forma; é dono do valor do capital do país. Por isso, tem interesse em manter esse valor de capital. Tem interesse em não saquear o país. Tem interesse em manter o país a funcionar e próspero para poder continuar a usufruir dos frutos desse valor de capital. Já um político democrático não é dono de nada. Tem apenas um contrato temporário de aluguer do comboio da sorte e não tem qualquer interesse em preservar o valor do capital. Ele tem todo o interesse em pilhar o máximo que puder, o mais rápido que puder”.
Mais tarde, o seu discípulo Hans-Hermann Hoppe, reforça esta ideia no seu livro “Democracia: O Deus que Falhou” quando argumentou que, em certos aspectos, a monarquia poderia ser preferível à democracia como um mal menor. O principal fundamento para esta posição é o conceito de longo prazo que rege uma monarquia, pois o monarca, como proprietário de seu reino, tinha um incentivo para preservar seu capital (o território e a população) e, portanto, era menos propenso a esgotá-lo por meio de guerras dispendiosas ou políticas económicas ruins. Em contraste, os políticos numa democracia, procurando votos e poder a curto prazo, teriam menos consideração pelos efeitos a longo prazo das suas políticas.
Todo o modelo centralizado tende para o totalitarismo
Para entendermos o porquê dos libertários não poderem ser monárquicos, será importante abordar os riscos que estão inerentes a qualquer modelo centralizado e a qualquer culto de “personalidade” que obrigatoriamente um súbdito tem para com o seu Rei.
Hannah Arendt, na sua obra seminal "As Origens do Totalitarismo" (The Origins of Totalitarianism), dissertou sobre as causas que originam o aparecimento de regimes totalitaristas focando-se principalmente nas experiências que antecederam o aparecimento dos regimes comunista, fascista e nacional-socialista no Séc. XX. Destaco da sua argumentação as causas que são transversais a qualquer poder centralizado seja este de cariz republicano ou monárquico.
O sentimento “Imperialista”, nomeadamente o reforço constante do Poder em se expandir, seja internamente pela submissão do seu povo de uma burocracia desumanizadora, ou externamente através da ideia de tempos passados de recuperação de Impérios que se iam perdendo. Este fenómeno totalitário está em crescendo em Portugal novos movimentos que consideram que culturalmente se pode recuperar o Império Português, através de conceitos de “Portugalidade” ou da criação de um “5º Império”. Movimentos estes de saudosistas-nacionalistas.
Também o totalitarismo, segundo Arendt, só é possível em sociedades de massas, onde os indivíduos são isolados uns dos outros e atomizados, perdendo os seus laços sociais e a sua capacidade de acção política. As massas, ficam desprovidas de identidade e de propósito individual e tornam-se presas fáceis para a manipulação e a mobilização totalitária. Esta “Emergência das Massas” conforme assim lhe chamou foi originado pela aproximação do poder central às populações, perdendo estas a sua autonomia e capacidade politica, para que tudo passasse a ser dirigido pelo centro do poder.
Mais tarde, em plena “Guerra Fria”, portanto em contexto diferente, Jean-François Ravel tentou perceber porque é que existe uma atracção totalitarista, usando como estudo o fenómeno da União Soviética, o que originou o ensaio “A Tentação Totalitária” onde conclui que o fenómeno não era exclusivo dos povos da Europa de Leste, mas também existia uma complacência em certos sectores da sociedade ocidental. Os principais factores encontrados por Ravel foram em primeiro lugar a “boa intenção”, ou seja, quando temos um líder, um Rei, tendemos a menorizar os seus actos pois consideramos que este está sempre a pensar no nosso bem em detrimento do seu próprio interesse. A esta boa intenção junta-se então a “cegueira selectiva”, pois, perante o facto anómalo os seus seguidores tendem a desvalorizar os erros do líder e a valorizar as virtudes do mesmo. Esta relativização dos seguidores completa-se com a “tentação do poder absoluto” do próprio líder, passando este a utilizar todas as formas possíveis e cada vez mais restritivas às liberdades individuais para reforço do seu próprio poder.
Em ambas estas visões temos um traço comum, no porquê das sociedades se transformem em sociedades menos livres, esse traço é o centralismo do poder. Seja qual for o tipo de regime que a história nos trouxe até aqui, fica um alerta para a importância da vigilância constante na defesa das liberdades individuais e a necessidade de contrapor toda e qualquer tentação através do esvaziamento possivel do poder.
A história demonstra que a Monarquia falha
Quando me perguntam quais as datas que comemoro em Portugal, dou sempre duas datas cujo leitor certamente ficará confuso, mas que eu chamo de datas libertárias. Essas datas são 959, 1124 e 1964. O leitor deverá estar a pensar o que isso é. A data de 959, foi quando foi edificada a Cidade de Guimarães, que para mim como Vimaranense representa o sentido de pertença, ou de propriedade. Por sua vez a data de 1124, representa a data da liberdade, a data da Batalha de S. Mamede e a declaração de independência de uma região ao jugo do Rei, neste caso o Rei de Leão. O 1964, representa a vida, data que vi a luz do dia.
Quando menciona a data de 1124, os Monárquicos que entendem ficam indignados por não defender também a data de 1143 a data da concessão do reino ao monarca. Reporto esta minha posição às dissertações desse grande politólogo galego Miguel Anxo Bastos, que classifica todos os reinos como uma “orda de bandidos que pela força tomaram conta dos territórios”. Assim foi em Portugal, após a Independência, D. Afonso Henriques, nessa altura ainda um simples lorde, na sua ânsia de poder, usa a força para conquistar territórios a sul até formar um território de conveniência (ou a possivel) a que resolveu chamar de Reino de Portugal. Assim, através da força, criou-se mais um tirano, sendo a data de 1143 a data que define essas suas conquistas.
Ao longo dos séculos o poder régio foi sempre aumentando, até à formação de um Império assente no Totalitarismo Régio denominado de Regimes Absolutistas.
Se tivemos nesta pequena resenha do que foi a monarquia em Portugal, a confirmação do que os dois autores do capitulo anterior tentaram explicar, vou agora mostrar onde os libertários monarquistas estão errados, quando somente seguem a frase enigmática de Rothbard e o mito de que um Rei gere melhor que outro regime centralizado.
O livro "1820, o liberalismo em Portugal", do meu amigo Rui Albuquerque, aborda a Revolução Liberal de 1820, um marco crucial na transição do absolutismo régio para o liberalismo em Portugal e onde apresenta as causas da degradação desse regime, incentivador para a decisão da revolução liberal. Saliento dentro delas a crise económica a que Portugal estava afundado, fruto do despesismo da Coroa e da não transferência dos ganhos oriundos das colónias, para a sociedade. Esse despesismo, resultou em constantes aumentos de impostos que afectou as classes mais baixas, enquanto que a burguesia, uma classe em ascensão era manietada na sua representatividade politica. Por outro lado, fruto da dependência criada entre o povo e o Rei, (típico dos movimentos totalitaristas, conforme Ravel), a “fuga” para o Brasil deste provoca um tipo de orfandade, contrariando a máxima de que o rei tem maior tendência para cuidar do seu povo, foi uma traição. Por sua vez, a entrega do território ao domínio britânico, que se por razões estratégicas de protecção à Coroa foi fundamental, o Rei não teve problemas em decidir a gestão do seu território sem levar em conta os interesses das populações.
Ou seja, aquilo que terá sido um movimento de libertação em pouco mais de 600 anos transformou-se no Leviatán Régio, mostrando na prática que o modelo de “engorda” do poder é semelhante aos modelos totalitaristas emanados das republicas e das democracias representativas do Sec XX.
Uma sociedade libertária, não pode ser monárquica
O que os “libertários monárquicos” tendem a esquecer ao lerem nos dois pensadores libertários é toda a critica que também fazem ao modelo monárquico, ou seja, a “cegueira colectiva”. É importante notar que tanto Rothbard como Hoppe, não defendem o retorno à monarquia como um ideal. As suas posições são mais uma crítica à democracia e uma tentativa de mostrar que outras formas de governo, mesmo aquelas consideradas "arcaicas", poderiam ter aspectos positivos em comparação com o sistema democrático moderno. O objetivo final é a abolição completa do Estado e o estabelecimento de uma sociedade anarcocapitalista baseada na propriedade privada e no livre mercado.
Podemos constatar isso em todas as obras de Rothbard, salientando as posições como definindo o “Estado como uma organização criminosa”, contrapondo com; “uma sociedade sem Estado, onde todos os serviços, incluindo segurança, justiça e defesa, seriam fornecidos pelo mercado livre. Ele acreditava que a competição entre diferentes fornecedores de serviços levaria a uma maior eficiência e a uma melhor proteção dos direitos individuais.
Já Hoppe no mesmo livro não deixou de criticar a monarquia, apontado os seus defeitos. Hoppe aponta os seguintes pontos fracos da monarquia: como a sucessão hereditária, criando incerteza na transmissão de poder; o comportamento arbitrário do Rei, nomeadamente o risco de abuso de poder; o potencial de estagnação, por falta de competição pelo poder originando escassez de novas ideias e, aliás, contrário com a máxima libertária do livre-mercado; a ausência de mecanismos políticos para a destituição, a história mostra que sempre foi pela revolução que os reis foram depostos; e o potencial de guerras dinásticas, normalmente de foro familiar, mas onde as vitimas são sempre as populações.
A mesma visão sobre de como uma sociedade libertária não pode ser encontrada em modelos centralizados tem Robert Nozick no livro “Anarquia, Estado e Utopia” que ao defender que os direitos individuais são invioláveis, retira aos modelos centralizados qualquer poder de condicionamento do indivíduo. Para que isso fosse possivel, Nozick defende que se poderá criar comunidade voluntárias e que esta deverá ter a liberdade de implementar o modelo que quiser de governação, mas este não pode ser abrangente a outras comunidades pois é uma coerção externa. Para além disso, Nozick defende a capacidade de cada individuo poder sair quando por qualquer motivo não concordar com as regras dessa comunidade. Salienta-se que Rothbard também defende a capacidade de secessão comunidades/regiões, ou seja, esses territórios poderem a qualquer momento saírem do modelo de governação desse país. Voltando a Nozick, este até admite que numa determinada comunidade esta seja organizada de forma “monárquica”, mas fica limitada ao seu espaço comunitário, mas nunca uma imposição às demais comunidades. Ou seja, um regime monárquico até pode existir numa comunidade, mas nunca como modelo de coerção como defendido pelos monárquicos.
Em resumo, um libertário é um crítico radical do Estado e de todas as formas de governação centralizada, ou seja, um libertário tem que ser um critico radical da monarquia.
Acabando com uma frase de Rothbard:
"O planeamento central é inerentemente irracional."
António Xavier