Poucas personagens no cinema simbolizam tão bem a mentalidade do autodidatismo, da rejeição ao autoritarismo e da ascensão individual como Tony Montana, protagonista de Scarface (1983). Longe de ser apenas um criminoso impulsivo, Tony personifica os valores fundamentais do libertarianismo: o mérito acima da imposição estatal, o desprezo pelo coletivismo e a recusa em aceitar qualquer forma de dominação.
Mas há um aspeto que o distingue ainda mais: o seu ódio absoluto ao comunismo. Tony Montana não é apenas um opositor da autoridade – ele é um sobrevivente de um regime totalitário que o privou da liberdade e do direito à ambição. Ao longo do filme, o seu desprezo pelo socialismo não é apenas teórico, mas visceral. Ele viu o que significa viver sob um governo que decide o destino dos seus cidadãos, e não hesita em deixar clara a sua posição.
Fuga do Comunismo
Tony não é um revolucionário ideológico – ele é um homem prático que compreende, melhor do que qualquer académico, os horrores do coletivismo. Ele cresceu sob o regime de Fidel Castro, onde o Estado detém todo o poder e reduz os indivíduos a meros instrumentos de um sistema centralizado. Quando chega aos EUA, a sua prioridade é clara: nunca mais ser um peão num jogo controlado por outros.
Desde o início do filme, Tony demonstra o seu desprezo pelo comunismo. Mas é numa cena crucial que ele revela o quão profundamente esse ódio está enraizado. Quando Omar Suarez, o intermediário de Frank Lopez, lhe oferece a missão de assassinar Emilio Rebenga – um ex-oficial do governo cubano – Tony aceita sem hesitação e solta a célebre frase:
"I kill a communist for fun, but for a green card, I carve him up real nice."
Este momento não é apenas uma demonstração do lado violento de Tony – é uma declaração ideológica. Ele vê os comunistas como inimigos naturais da liberdade e encara a oportunidade de eliminar um como um ato quase lúdico. Para ele, não há qualquer dilema moral: Rebenga fazia parte do sistema que o oprimiu, e Tony não tem qualquer remorso em despachá-lo.
Ele compreende que o comunismo não é uma ideologia de igualdade, mas um método de controle absoluto, onde a burocracia estatal decide quem pode ter sucesso e quem deve permanecer subjugado. Em Cuba, Tony não tinha futuro. Nos EUA, ele vê uma oportunidade – e está disposto a tudo para conquistá-la.
Rejeição do Estado e da Autoridade
O libertarianismo defende que o Estado deve interferir o mínimo possível na vida dos indivíduos. Tony Montana não apenas concorda com essa ideia – ele a leva ao extremo.
Ele não confia no governo, pois sabe que qualquer instituição estatal é, no fundo, um mecanismo de opressão.
Ele despreza a polícia, particularmente os agentes corruptos que usam o poder estatal para benefício próprio.
Ele rejeita a hierarquia imposta pelos cartéis, recusando-se a ser um mero subordinado dentro de um sistema fechado e regulado.
Tony Montana é, essencialmente, um anarquista capitalista. Ele percebe que o verdadeiro poder não vem de títulos ou cargos, mas sim da capacidade de agir sem depender de ninguém. Ele desafia qualquer estrutura que tente limitá-lo, seja um cartel criminoso ou um governo supostamente legítimo.
O Capitalismo Puro e a Recusa do Coletivismo
Tony Montana é a personificação do verdadeiro espírito capitalista: não o capitalismo corporativista, protegido pelo Estado e sustentado por regulamentos artificiais, mas o capitalismo na sua forma mais pura e meritocrática. Ele não herdou riqueza, não teve privilégios e não esperou que ninguém lhe oferecesse oportunidades. Ele conquistou tudo com as suas próprias mãos.
É verdade que opera num mercado ilegal, mas apenas porque o próprio governo impôs restrições artificiais ao comércio. O tráfico de drogas, como qualquer outro setor, obedece às leis da oferta e da procura. Se não fosse pela intervenção do Estado, Tony poderia ter sido um empresário legítimo, competindo num mercado sem a necessidade de violência.
No seu discurso icónico no restaurante, ele expõe a hipocrisia da sociedade que finge repudiá-lo, mas que depende de homens como ele para manter as suas ilusões de moralidade:
"You need people like me so you can point your fingers and say, 'That’s the bad guy.'"
Tony sabe que o mundo está cheio de falsos moralistas – políticos que falam de justiça enquanto exploram os mais fracos, empresários que manipulam o sistema a seu favor e intelectuais que defendem ideologias que nunca precisaram de viver na pele. Ele não tem paciência para essa hipocrisia. Para ele, a única justiça real é aquela que se conquista com esforço, sem depender de esmolas do governo ou da aprovação de terceiros.
O Tony Montana, Um Libertário à Sua Maneira
Tony Montana pode não ser um libertário no sentido filosófico clássico, mas encarna muitos dos valores essenciais dessa ideologia:
Rejeição ao Estado e ao autoritarismo, recusando-se a ser regulado por qualquer sistema.
Defesa do livre mercado, prosperando num setor onde o governo impôs restrições artificiais.
Autossuficiência e meritocracia, conquistando tudo sem depender de privilégios ou favores.
Ódio ao comunismo e ao coletivismo, sabendo que são apenas pretextos para a escravização do indivíduo.
Se tivesse nascido noutras circunstâncias, poderia ter sido um empresário legítimo. Mas no mundo em que viveu, fez o que era necessário para alcançar o topo.
O seu erro não foi a sua visão, mas sim a sua falta de contenção. No entanto, ao contrário de tantos outros, ele nunca abandonou aquilo em que acreditava.
"I always tell the truth. Even when I lie."
Tony Montana viveu e morreu pelas suas próprias regras. No fim, ele não foi derrotado pelo sistema – foi derrotado apenas por si próprio. Mas até ao último momento, manteve-se fiel à única lei que sempre respeitou: a lei da sua própria vontade.